terça-feira, 29 de janeiro de 2019

POEMOLHADO



Tentei segurar o ritmo das horas
que o tempo excitado não perdoa
para compor um verso cor de amora.

Não sei se era imaginação de poeta,
ou encarnação de caboclo roxo no rio.
Vi a poesia se despindo de teus olhos
E quis rasgar a pele de preto no cio.

Guardei o instante da eternidade...
porque eterna é a celebração
de teu sangue desvelado,
de teu beijo  poemolhado,
de minhas mãos tímidas,
apáticas, inexatas,
surdas e  suadas.

Já não pude esconder a poesia
embaixo do tapete do carro
e tirar a calcinha das rimas
no quarto das bacantes de um motel.
Trouxe da rua a covardia de ser poeta.

Escondi o ciúme de rasgar a tua cor
e ser a menina nua que te dança e namora.
O amor já não pode seguir o relógio
porque o tempo é efêmero e traiçoeiro.

Tenho em mim o triunfo de filtrar sonhos...
Guardarei o instante e serei Penélope nua
a costurar a colcha de cetim vermelho
a segurar  um minuto parado da poesia.

Certamente desnudarei o efêmero da rua morta,
a velocidade dos carros, o riso do caboclo,
o receio da mulher em chamas, tua boca de amora,
e dois negros cabelos virando poema que voa.

Em instante metafísico meu sangue
quisera ser Afrodite e Jacira
para misturar tua pele de índio
ao meu destino de cigana vagabunda.
No entanto, pressinto que a poesia casta
ainda que  em hora marcada e estática
deixará cair o  manto vermelho
do amor dos deuses a molhar teu sêmen.


Teu sangue guerreiro ainda fechará o tempo
e meu poema regressará ao lirismo de teu corpo.
Conhecerás que o amor singular e cravado
permanece além dos sexos e da nudez dos índios,
é muito mais que o teu corpo sagrado em mim.

(Rosidelma Fraga).



domingo, 20 de janeiro de 2019

Espermolirica


BANHO


B
A
N
H
O

Banho de poesia
Cunhaporã faceira
Caboclo no cio.

(Rosidelma Fraga. In: AmorAmante, 2018).

MALOCA


M
A
L
O
C
A

Lábios de amora
Maloca de curumim
Amor só pra mim.

(Rosidelma Fraga. In: AmorAmante).

EPÍGRAFE AMOROSA


Epigrafei tuas iniciais 
em meu corpo de maresia. 
Tatuei nossas almas 
no verso da cor da poesia. 
O poema saiu sem defeito, 
igual a nuvem vestida de Deus.

(Rosidelma Fraga. In: Amor Amante, 2018, p.68).

COROAI-ME!



Coroai-me de verdades absolutas
Não me tinjas um poema de brandura
Meu corpo já não cabe o fingimento
de uma sensibilidade líquida e medida.

Corai-me de ausências que tanto canto
Coroai-me da canção de Mozart em silêncio
Coroai-me  daquilo que não seja efêmero.

Coroai-me do cândido sorriso
da menina que vestiu a fome
e bebeu os pedaços do abandono.

Corai-me de rosas de todos os amantes
Coroai-me do amor de todos os gêneros
Coroai-me do AMOR e do AMOR somente.

Coroai-me da pele negra excluída
Coroai-me do amor divino
mas não me venha com religiões!
Não ando mais com um Deus maléfico
O Deus em mim é a chama do amor
que o vento não leva e o tempo não consome.

E se o amor de Deus é humano e sangra
Coroai-me então do riso largo da prostituta
que perdeu a calcinha do pecado na esquina,
sem pudor, preta ou branca,  sem religião,
mas com o sentir de gente, com Amor e Perdão...
Coroai-me “do azul-perdão no olho do mendigo”
Porque já não quero um sentimento de mundo
que minhas entranhas não mais darão as mãos.



(Rosidelma Fraga. In: AmorAmante (2018).).

AFROFILIA


Benzi o amor
de arrudeira.
Saiu trevo
de poemas,
suor de preto
e atabaque.
Meu terreiro
virou poesia.

(Rosidelma Fraga. In: Nudez de pretos).